Sobre o luto de uma mãe

Pontes dizem muito sobre uma pessoa.
Pontes dizem muito sobre uma pessoa.

Escrito em 13 de dezembro de 2013 e 3 de março de 2014.

Helena,

Nunca consegui realmente explicar para alguém o luto de uma mãe. Passou-se 5 anos  e as vezes me dizem que já passou tempo de mais, que devo esquecer, seguir em frente, coisas assim.

Na pior dos momentos me informaram que tudo aconteceu de forma sábia, como uma menina de 16 anos iria criar uma criança da forma correta? A morte foi a solução. O ódio da crença foi tão grande que apenas me agarrei nisso por anos.

Foi melhor assim.

Mas não, não foi. O que aconteceu no dia 10 de dezembro de 2008 é imutável, mas a forma como isso pode ser visto, é uma escolha. Quando uma criança nasce, alguém se torna mãe e cruzar essa ponte é para toda a vida.

Sempre me perguntam se você é a primeira filha e sempre demoro alguns segundos para responder. Você não é minha primeira filha, mas responder isso gera outra questão “Quantos anos tem a mais velha?”. Bem, responder “ela morreu com 7 dias de vida” gera expressões de pena, um comentário de “sinto muito” ou “que informação desnecessária”, considerando as melhores reações, porque tem gente que faz as contas e percebe que engravidei jovem e sempre solta “mas com quantos anos? Você era muito nova”.

Então como forma de me preservar de ser mal educada ou indelicada sempre respondo que você é a primeira, mesmo me sentindo uma mentirosa por dentro. Me culpo por isso todo dia, só que não encontrei uma forma de explicar isso para o mundo.

Só quem perdeu um filho consegue compreender isso, é triste informar. Espero que um dia, se você decidir ter filhos, nunca sinta isso, esse oco, essa falta de respostas para questões simples.

Apesar de estudos informarem que filhos de mães que engravidaram jovens tendem a seguir o mesmo rumo, não desejo exatamente que você siga os padrões da sociedade, mas faça isso se quiser e quando estiver preparada, se acontecer um acidente, enfrente com força. Em quase 22 anos apenas agora aprendi que a opinião alheia não é garantia nenhuma de felicidade, mas estamos condicionados a nos importa com isso e tem sido uma grande luta determinar isso sempre.

Casei cedo, tive filhos cedo, também não tive infância, passei por uma adolescência medíocre e minha vida adulta já começou no caos, com tudo isso, fiz as escolhas que me trouxeram a felicidade, depois que aprendi a distinguir o que era minha opinião e o que era pressão. Talvez essa seja a mensagem mais importante que quero te passar.

Um dia vou morrer, não sei quando e espero do fundo do meu coração que neste dia possa ir sabendo que deixei você com uma sólida sensação que foi amada, protegida dos males que pude, exposta as decisões necessárias e convicta de todas as respostas que dará ao mundo e a você.

Querida, na vida aprendi que a raiva, o ódio, o medo, deixam marcas profundas em todos os lugares, quem somos e quem tocamos, mas nada deixa rastros tão eternos quanto o amor.

O amor sempre permanece.

E eis o motivo das minhas lágrimas.

Com amor,
Mamãe.

Não existe escola que ensine

Com 43 dias você era um bebê... dramático.
Com 43 dias você era um bebê… dramático.

Texto escrito em 11 de agosto de 2013, quando você completava 43 dias e 220 fraldas trocadas.

Helena,

Fui enganada. Me sinto ultrajada, me prometeram que se me informasse, conhecesse todas as mandigas das vovós e soubesse passo a passo sobre a rotina de um bebê, saberia perfeitamente cuidar dele. Mas que mentira!

Bem, querida, sinto te informar que seu pai e eu não sabemos trocar fralda. Eu sei, eu sei. Você não está sofrendo com isso, apenas nós. Digamos que durante o processo de aprendizagem, temos errado muito.

Faz uns dias seu pai foi trocar sua fralda e começamos a conversar durante. Papo vai e papo vem, a completa falta de prática e tinha se passado 15 minutos e você estava lá, com o bumbum livre para o mundo. Eis o engano.

Primeiro, gostaria de lhe contar que bebês são um máquina. Uma máquina de fazer cocô. É cocô de noite. É cocô de dia. É cocô de tarde e é cocô 24 horas por dia. Na verdade, achei que ia ser lindo esse seu primeiro mês, mas foi tanta fralda trocada, que não lembro de fazer muita coisa além disso, já que tu dorme o dia todo.

Então, durante aquela conversa você faz o que? Claro, cocô. Foi para todo lado, na meia do seu pai, na cama, em você, foi um jato digno de filme de terror. E claro, nós ficamos com aquela cara de “Ué?”. Ué, li tudo sobre trocar fralda, como assim é tão complicado?

A verdade é que não existe escola que ensine a ser mãe e pai, se aprende todo dia, toda hora, com cocô escorrendo para todo lado (eca!), com os banhos mais desajeitados da história, com medo, com lágrimas e claro, com aquele sorriso bobo que pode ver em 99,99% dos pais. Sim, você sabe que é um pai e mãe de primeira viagem quando o dito cujo tem aquelas olheiras, o cabelo desgrenhado e aquele olhar bobo, como se tivesse ficado olhando tempo de mais para uma luz ofuscante.

Dizem que “jájá vocês pegam a prática”. Provavelmente, mas posso dizer que essa aventura tem sido incrível, por mais que as vezes, tenha pomada no meu cabelo.

Com amor,
Mamãe.

Helena, você pode ser um menino se quiser

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Você com 5 meses e 23 dias, sendo a rainha da careta. Sim, tiro foto de todas as suas caretas, porque um dia, em breve, iremos rir delas.

Escrito no dia 24 de março de 2014, numa madrugada de insônia.

Helena,

Quando você nasceu foi declarada do sexo feminino, mas quando ainda era muito pequena, um cisco na minha barriga, já imaginava “E se a escolha não for a mesma constatada pelos médicos?”. Sim, já discuti isso com seu pai.

Sou uma boba, fico imaginando você já adulta, me contando suas novidades na mesa, me apresentando amigos, levando broncas e tomando um belo café com leite preparado com todo carinho por mim e sempre – s-e-m-p-r-e – te imagino como uma folha em branco. Nenhuma roupa, nenhum corte de cabelo ou qualquer preferência da minha imaginação que possa imitar suas escolhas. São suas, não me meta nelas.

Claro, sempre te darei conselhos, irei te ouvir e vou opinar quando achar necessário, mas quem você é e o que deseja, são questões que apenas diz respeito ao seu ser. Hoje você tem 8 meses, quase 9, brinca com avião, lata de milho, bonecas, tartaruga ninja, forma de silicone de cupcake, mordedores, saquinhos com feijão e arroz, pote cheio de feijão, sim, estou sendo muito criativa na tarefa de te entreter sem gastar dinheiro e o mais importante: aqui não tem brinquedo de menina e menino. Temos diversão.

Lembre-se disso. Vou te vestir de rosa – mais rosa, porque você ganha muitas roupas dessa cor – vermelho, azul, preto, tudo que achar confortável e sim, as vezes coloco presilhas no seu cabelo, mas devo admitir que acho aquilo chato para crianças.

Só quero te deixar claro, querida, você pode ser um menino, uma menina, algo entre um ponto e outro, uma flor, um pedaço de nuvem, um peixe com pés, tudo que você quiser, desde que seja uma pessoa de opinião própria. Prefiro que você reflita sobre tudo e me conte sobre sua decisão, do que seja a garotinha perfeita e de sucesso da mamãe. Melhor, nem seja, isso é muito chato.

Desejo do fundo de minha alma que você pense sobre o mundo, veja desenhos no céu, acredite no potencial criativo humano e fale sobre concepções, do que o que conhecemos como “normal”.

Tenho medo, claro, que você sofra violência por ser mulher ou por qualquer outra escolha futura, mas se quero uma filha corajosa, também devo me cobrar a coragem de te ajudar a enfrentar o mundo. Somos uma equipe, lembre-se disso. O mundo e seus conceitos pré-definidos podem se explodir em purpurina.

Com amor,
Mamãe.

 

 

 

 

A importância das “coisas”

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Você com 16 dias, já com cólicas. Seu pai costumava te segurar assim para que eu pudesse dormir e claro, lá estava ele trabalhando enquanto isso. Para tudo nós vamos dar um jeito.

Escrito no dia 27 de março de 2014.

Helena,

Hoje nós conversamos muito sobre o Brasil, sobre o mercado de trabalho, projeções futuras e tudo aquilo que é muito chato de pensar sobre. Enquanto isso você brincava em seu berço, falava sozinha, gritava músicas imaginária e opinava de forma muito argumentativa sobre, na sua língua, então sinto muito, não compreendi, mas respeito sua opinião.

Acho que nosso maior desafio como pais tem sido conciliar nossos sonhos com os sonhos que você terá. Quero escrever e ensinar, seu pai quer oferecer possibilidades num mercado que está crescendo, quando você ler isso, não sei em que pé as coisas vão estar, mas queria compartilhar com você nossa boa vontade.

Queria um mundo mais democrático quando você crescesse, não nosso coronelismo encoberto, onde os partidos mandam no país tal como os Coronéis do Norte. Realmente queria que você tivesse a opção de poder escolher seu futuro e que os impostos, a descrença e os limites impostos pelo Governo não podassem seu sonho.

Dinheiro é algo importante, não vou mentir, afinal, gastamos R$500,00 em pomadas nesse seus primeiros 6 meses de vida – lembre-se disso quando chegar em casa as 3 manhã sem permissão – mas, ele tem a exata importância que deixamos ele ter.

Pode ser um meio de garantir suas necessidades, investir num futuro melhor e uma exigência para a vida, porém, coloca-lo como único objetivo para tudo é um erro. Basear seus estudos, sua carreira, seus sonhos num acúmulo de bens e papel, não é o caminho. Dinheiro pode sim viabilizar as coisas, mas não ser a razão delas.

Não sei como tudo vai ser daqui 20 anos, certamente terei 41 e serei uma senhora muito atraente, mas acho que algumas coisas vão se manter, principalmente o preconceito, já que numa sociedade que levou 4 mil anos para ser como é, 20 anos é um tempo curto de mais para as mudanças mais significativas que esperamos, mas realmente queria que você fizesse parte disso. Você será um pouco da mudança que o mundo precisa, como eu, seu pai, seus avós, os romanos e os hebreus foram.

Somos uma constante evolução. E hoje você ficou de pé sozinha, segurando meus joelhos, a prova viva de que temos jeito, que vamos aprender a andar sozinhos, de uma forma menos literal.

Com amor,
Mamãe.

O nascimento de uma pequena heroína

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Dois bocó e um bebê.

Está carta foi escrita no dia 8 de julho de 2013 às 16:37, poucas horas antes do parto.

Então, você vai nascer. Rufem os tambores, chamem os amigos, tranquilizem os familiares.

É estranho, isso posso afirmar, porque existe aqueles momentos na vida que você consegue visualizar exatamente quando tudo muda, quando algo se quebra ou cresce dentro de você. Neste exato momento posso ver uma linha tênue no meu horizonte, como nos fatos históricos, agora será “Antes de Helena” e “Depois de Helena”.

Você irá se deparar com esses momentos na vida, querida, e eles dão um baita medo. Eu sei que vou errar, isso é inevitável, é assustador saber disso e tentar compreender que tudo é aprendizagem. Deus, e se eu te queimar com a água da banheira? OK, não fique assustada, temos seu super pai, que segundo todos irá nos salvar do desastre eminente.

Sim, ele é fantástico, mas as pessoas também são babacas.

Talvez a certeza de que daqui alguns minutos estarei sendo cortada não seja tão animadora, sendo bem sincera com você, estou com medo de morrer e não ver nada. Tenho medo de não estar perto de você, é irracional, mas isso pulsa.

Você vai nascer com cara de joelho, toda inchada, eu vou chorar, seu pai vai fazer a dança do macho alfa que procriou e nós iremos com sorte não estrangular o médico que irá te trazer ao mundo.

Você vai sentir dor, frio, medo, fome, é tudo novo, mas eu estarei lá. Nós seremos uma equipe. Paola e Helena contra o mundo.

Existe um tipo de narrativa que se chama HQ e é muito legal, você vai adorar, nós seremos as super de nossa própria história. Vamos combater as fraldas sujas, ficaremos vigilantes durante as madrugadas sem dormir, você irá se nutrir com um super néctar do crescimento e alegria, papai vai ter duas meninas para cuidar, o que certamente coloca ele numa posição muito heroica.

Estou feliz, muito, quase dando pulos e rolando com você na barriga, mas tenho medo.

Vai dar tudo certo, não é?

Paola, agora Mamãe.

Você nasceu no dia 8 de julho de 2013, com 3,350 quilos, 49 centímetros. A Primeira vez que te vi, você sorriu.

Eu apenas queria que você soubesse

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Pedra do Baú

Este texto foi escrito no dia 1 de Julho de 2013, exatos 7 dias antes de Helena nascer.

Faz meses que existe uma carta em minha mente e ela sempre me cutuca “Ei amiga, quero sair, senta essa bunda numa cadeira e me dê vida”, porém, não queria cair no clichê de escrever uma linda carta para minha filha achando que daqui 15 anos ela vai ler e entender o porque de tudo. Saber como foi sempre amada. Não quero essa visão da coisa toda.
Mas durante as louças, os momentos de descanso ou quando acordo de madrugada com a barriga a ser virada do avesso, o texto se formou, algumas palavras para Helena, a menina que ainda não nasceu.

Não quero ser a mãe perfeita, porque mais importante do que meus acertos, são meus erros, pois no dia que você nascer, eu também nascerei com você e irei aprender junto. Quando seu pequeno pulmão se abrir para o ar pela primeira vez, meu coração estará lá, batendo pertinho do seu, em sintonia, porque parece patético, mas você é um pedaço meu. O pedaço mais lindo. O melhor de mim.

Você teve uma irmã, Laura, que nasceu e se foi com a mesma rapidez de um piscar de olhos ao meu ver. Em 7 dias aprendi mais que em 15 anos. No dia que enterrei meu pedaço, metade do que sou morreu e busquei felicidade em todos os lados, sem nunca encontrar. Aprendi de forma exata o que é solidão.

Você não preenche o vazio, porque ele é necessário, a dor me lembra que um pequeno ser foi gerado em meu ventre e que eu amei, dei minha vida por ela, doei meu ser e ele estará lá. Você veio num susto, para me fazer sorrir, para que eu pudesse encontrar motivos e forças para ser melhor.

Dizem que seu dia será 27 de julho, mas acho que você é meio impaciente, não acredito que vamos chegar até essa data. Agora minha barriga está enorme e os chutes estão mais intensos, talvez o esporte “chuta bexiga” seja muito divertido – para você, isso dói!

Estou com medo, pensei em fazer uma carta de despedida caso tudo dê errado, algo como “siga seu coração, ame, seja uma boa menina com seu pai, ele não sabe fritar um ovo fazer o quê”, mas não, não serei pessimista. Não vou escrever aqui tudo que desejo para você, porque nada disso importa, você terá personalidade, vontade, um coração e uma alma, sempre vou respeitar suas escolhas e quando não concordar com elas, terá mais pimenta na sua comida.

Eu apenas queria que você soubesse que é a atitude de recomeçar é todo dia e toda hora. E nascimentos são grandes parágrafos na vida.