Carta escrita no dia 26 de maio de 2014, enquanto você dormia [e a Trufa também!].
Helena,
Sempre achei imensamente hipócrita tudo que mostra apenas o lado lindo da maternidade/paternidade, querida. Porque, apesar de ser lindo, maravilhoso, transformador e revigorante, há dias em que chove no paraíso. Agora mesmo, enquanto escrevo essa carta, acabamos de passar por uma crise.
Acordei com enxaqueca, seu pai teve que sair correndo para trabalhar, você começou a chorar de sono, a Trufa [nosso filhote] começou a chorar, fiquei entre uma e outra. Você não conseguia dormir, porque ela chorava, ela não parava de chorar, porque não estava lá. No final, você dormiu, ela está brincando com uma boneca antiga sua e eu estou morrendo de dor de cabeça, mas escrevendo. Estou com esta carta há semanas na cabeça, chegou a hora de cria-la.
Quando soube que estava grávida, fiquei apavorada. Não tínhamos estabilidade financeira, nem estabilidade psicológica – mesmo seu pai jurando que esteve sempre preparado -, não havia casa, nem expectativas, nem nada. Aqueles dias foram terríveis, porque além de criar tudo do zero, havia uma descrença, uma pressão para fazer tudo acontecer muito rápido.
Quando você nasceu, ufa!, morávamos numa kitnet de 3 cômodos, tínhamos muito pouco dinheiro e estávamos irremediavelmente sozinhos em outra cidade. Revezamos [ainda fazemos isso, aliás], para ver quem dormia, quem conseguia terminar a comida primeiro, quem faria isso e aquilo. Aprendemos com socos diários a solucionar problemas e manter a calma, mesmo quando a vontade é começar a gritar.
Seu pai… o que seríamos sem seu pai? Já te disse que antes de tudo, ele é nosso melhor amigo. Vou ressaltar: ele é nosso melhor amigo. Atualmente, as coisas melhoraram e tem seguido para um caminho mais amplo em vários aspectos, mas como ressaltei, tem dias que chove uma tempestade colossal, estonteante e apavorante no paraíso.
Algumas pessoas nos vê como uma família centrada, nova, com boas ideias e que está sambando para conseguir tudo, mas está indo. Eu li e ouvi essas coisas, quase soltei uma gargalhada na face da pessoa. Ok, é uma verdade romantizada, mas tudo tem um preço tão… desafiador.
Faz meses que não durmo, tem dias que seu pai trabalha da hora que acorda até a hora de dormir, tudo para conseguir dar conta dos gastos. Passaram-se vários finais de semanas, que ficamos em casa, vendo séries, meio mortos de sono e cansaço. Quando alguém aqui fica doente, é um pandemônio. Todos os dias tem algo que nos desafia a ser melhor, a evoluir, manter a calma, respirar fundo “É apenas uma fase”.

Ser pai e mãe, esposa e marido, trabalhadores e ainda tentar fazer algo que possamos deixar para você, de útil para nossa sociedade, uma tentativa desesperada de um futuro melhor, custa muito esforço.
Uma menina me mandou um email perguntando se era bom ser mãe. Helena, é maravilhoso. Há momentos, em que olho para sua mãozinha ou pézinho, fico admirando cada milímetro em você e respiro fundo. Outro ser humano, com personalidade, vontade, futuro, você é a melhor coisa que ajudei a se fazer vivo. Mas tem dias que sou mãe, mãe de cachorro também, mulher, esposa, dona de casa, blogueira, produtora cultural, gerenciadora, escritora, muambeira e feirante, nesses dias, bem no fim do dia, me vem alguns sentimentos ruins. Espera-se que pessoas da minha idade… estejam, sei lá, fazendo faculdade, bebendo tudo num bar, tudo que sei que grande parte dos meus amigos faz.
Seria feliz fazendo tudo isso? Sim. Mas me sentiria completa? Atuante? Uma pessoa com algo mais? Não. Ser mãe é uma escolha. Uma escolha que fiz nos seus primeiros dias. Na primeira semana, escolhi que tipo de pessoa seria que tipo de atitudes tomaria e o tipo de mudanças que faria existir em minha vida.
Nem sempre é fácil, bonito e limpo [dá-lhe pomada no cabelo], mas todo dia é feliz, é aprendizagem, é superação, uma constante evolução do que fui e jamais serei. Você me custou um preço, querida, o preço de ser uma tentante no caminho da melhora e pagaria esse preço um milhão de vezes.
Com amor,
Mamãe.