
Carta escrita no dia 20 de dezembro de 2017.
Helena,
Quando criança, te perguntam o que você quer ser quando crescer esperando uma profissão. Quero ser advogada. Quero ser astronauta. Quero ser escritora. Quero construir pontes.
Sua vida toda é centrada em se formar como uma pessoa de conhecimentos. Anos numa instituição de ensino aprendendo, se preparando para um vestibular. Escolhendo aos 18 não sobre aquele sonho de criança, pois sonhos de criança não efetuam débito, não digitam senha de crédito. Eventualmente sim, mas a lacuna da história de cada um nos separa no nascimento. Poucos com pré-vestibular, vestibular, universidade, pós, mestrado, doutorado, proclamando a ideia de igualdade construída com a moça do café da universidade que nunca nem foi apresentada a meia oportunidade.
Mas não somos ensinados a olhar isso. Você precisa crescer.
Precisa aprender, produzir, se infiltrar. Dez. Doze. Quatorze horas por dia de sucesso.
Seja produtivo.
Toda uma vida esperando para ser alguém quando você sempre foi.
Você ainda é a criança que falava sozinha com os brinquedos. Você é a adolescente que busca seu lugar no mundo. Você é a pessoa que aprendeu a ser divertida assistindo desenhos. Que aprendeu a escrever com Harry Potter – como a sua mãe, será?
A pessoa que sabe lidar com mil projetos porque já lidou com um bebê, uma casa, uma vida, um marido chato e todo um mundo dizendo que poderia te substituir amanhã. A pessoa que ouviu desde cedo que seu cabelo é feio e aprendeu a observar resistência onde ninguém vê, na altura dos privilégios e isso te transformou em alguém que olha. Realmente olha para as coisas.
Cada experiência mundana, da sua casa, da sua relação, dos traumas, aos dias de chuva e dias de sol, tudo isso te faz ser alguém.
A lógica de mercado pode te exigir mil diplomas e o melhor portfólio do mundo, e você pode nunca alcançar esse longo patamar de sucesso que algumas pessoas decidiram, você continuará sendo alguém.
Alguém formado por vivências e a chance de percepção. Seja ela sobre o mundo de privilégios que você senta ou a grande montanha de desigualdade que te separa.
Você é alguém. Não melhor que nenhum alguém. Mas você não pode ser apenas o que essa lógica quer. Porque veja bem, você tem muito aí.
Quando ouvir: e aí, me fala de você.
Fala da sua infância, fala do que você faz quando está exausta. Não fala sua profissão, não fala no que se formou.
Quando perguntarem: o que você faz da vida?
Experimente responder: olha, tenho vivido, está sendo bem intenso, esses dias…
Não escreva sua apresentação usando a primeira frase, a mais importante de todas, para falar como você é organizada, pró-ativa, com espírito de dono, veste a camisa, apaixonada pelo o que faz, respira inovação.
Quem é você mesmo?
Você não é o seu trabalho.
Faça faculdade.
Tenha o trabalho dos sonhos.
Continue.
Mas quando as pernas falharem e você chegar em casa muito mal de um dia péssimo.
Lembre-se
Você não é o seu trabalho.
Com amor,
Mamãe.