Carta escrita no dia 10 de dezembro de 2017.
Helena,
Hoje faz nove anos que sua irmã morreu. E queria dizer que existem formas de começar essa carta com outra frase, mas acho que já me sinto mais tranquila para usar a palavra morte.
Em 9 anos você nasceu, eu mudei de cidades três vezes, troquei todas as células do meu corpo, briguei e gargalhei, saí da adolescência e me transformei numa adulta. E mesmo assim, todos os dias, uma pequena parte de quem sou congelou no dia 10 de dezembro de 2008.
Se com você aprendi a encarar meus medos, entender os erros e persistir eternamente, com Laura aprendi o que é encarar o vazio, a ausência, o reflexo. São 9 anos de uma criança que não correu pelo parque, não aprendeu a ler. São 9 anos de uma filha que o mundo deixou de considerar mas que eu ainda sinto chutar minha costela lá no fundo da memória.
Com ela não houve uma história de como me tornei mãe, houve a história de como me tornei quem sou. Cada parte do meu corpo, apesar de ser refeito, renovado, trocado, modificado, cada parte vai ter para sempre a história de um bebê ruivo que sorria desde o nascimento.
A história das crianças que não estão aqui quase sempre não são contadas, mas a dela será. Sempre. Não por viver no passado, mas porque tudo que sou, a mãe que tento ser para você, também respirou com ela e deixou de bater o coração ali. Transformou-se.
Por muitos anos senti isso, como se faltasse uma parte esmagadora de mim. Sem saber lidar, tentei preencher com todos os tipos de coisas. Comida, namoros, mentiras, desconhecidos. Mas Laura nunca deixou um vazio, ela deixou um espaço que não é ocupado pelas histórias que não vivemos, mas tudo que eu vivi desde que ela se foi.
Como aprendi a viver, como lutei e luto contra uma doença que às vezes é tão dura que me corrói os ossos, mas que também me transformou em fortaleza. É um lugar onde vive minha melhor parte, mesmo que essa parte tenha dor.
Tem dias que vejo muito dela em você. Não porque quero ver coisas da minha filha morta na filha viva – já me falaram isso. É que vejo vida em ti. Pura, simples, pulsante. E Laura sempre foi e será isso: a melhor parte.
Vocês duas.
Feliz aniversário, filha.
Estou cansada, mas continuo.
Com amor,
Mamãe.
Obrigada Paola, por mais uma vez ser minha voz. Gratidão.