A última carta

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São Paulo, 11 de agosto de 2015. 

Helena,

Estamos todos aqui para aprimorar a habilidade de ser uma pessoa melhor. Não é bonito, não tem uma linda música tocando ao fundo e quase sempre dói muito antes de você poder concluir que está melhor. Toda recuperação destrói.

Fiquei por duas horas sentada no sofá da nossa antiga casa olhando para a parede. Você brincava no meu pé com seus lápis, e numa das folhas tinha uma casinha, desenhada por alguém num dia mais feliz. Sozinha, cheia de rabiscos por cima, ela habitava aquela página da mesma forma que me sentia.

Naquele momento decidi aceitar os projetos em São Paulo e construir um novo lugar para chamarmos de lar.

Uma semana depois todos os móveis da casa estavam vendidos e tínhamos três malas cheias de roupas, algum dinheiro e a decisão mais difícil que já tomei na vida. Sozinha, apesar dos ótimos amigos, comecei a marretar meus alicerces, queimar lembranças, superar traumas e me dar a chance de ser a pessoa que quero ser.

Me apavora pensar que daqui dez anos você pode olhar para o lado e ver no meu reflexo alguém que desistiu, foi infeliz ou não tentou ser alguém melhor. No caminho errei muito. Aliás, eu tenho errado muito nesse começo da minha vida adulta, e esse erro não tem sido com ninguém mais além da pessoa que sou.

Se respeitar, ouvir e valorizar é uma das coisas mais difíceis dessa vida. Não porque é uma missão impossível, mas porque somos programadas desde cedo para ouvir de outros sobre o nosso valor. De aceitar que gritem na nossa face que não conseguimos nada melhor, que não nos bastamos.

Você vai se machucar, cair, ralar, chorar, virar a esquina, correr no sinal aberto, fazer suas escolhas e colher nelas a sua vida, mas queria te deixar aqui gravado para sempre a lição mais importante que aprendi, que só consegui entender quando perdi tudo pela quinta vez em vinte dois anos: você merece mais.

Você merece se absolver dos pecados que tentaram te convencer que existem. Merece dias melhores, sonhos maiores, sorrisos e beijos molhados, abraços apertados e noites de ventania. Não é fácil, nada é fácil. Vai ter dias que tudo vai dar errado, que você será uma péssima pessoa, vai errar, gritar, chutar os limites e descobrir que está tudo bem. Aprende, corre, alcança, pede desculpa e segue em frente.

Alguns erros não possuem borracha portátil e você terá que conviver com eles para sempre, sentar no trem e ter longas conversas, seguir.

Helena, siga em frente. Não pare. Não deixe que te falem que você não pode, não vai, não merece. Porque você não tem que se diminuir para caber em moldes retrógrados e medíocres, os moldes que devem lhe dar passagem.

Nos piores dias da sua vida repita esse mantra: você consegue. Você pode. Você merece ser feliz. Não deixe que ninguém ouse lhe tirar a oportunidade de ser alguém melhor. No fim somos muito daquilo que fizemos com aquilo que fizeram da gente.

Sigo para os meses mais doidos e intensos da minha vida, meses que vou andar por longas ruas meio quebrada, cheia de feridas e vazios, buscando a mulher que nunca consegui ser plenamente. E você vai estar comigo, minha pequena menina.

Você não vai lembrar e é por isso que te escrevo aqui: em nós mora toda a força do mundo.

Com amor,
Mamãe.

 

Obrigado aos milhares de leitores do Cartas para Helena.
Foi um lindo ano.

 

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