Nós, os sonhadores

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Na parede do seu primeiro quarto morou nuvens. Agora pode ser uma parede branca do quarto de outra criança, mas ali já houve imensidão.

 

Carta escrita no dia 18 de maio de 2015, entre um problema e outro.

Helena,

Fui fazer uma entrevista de trabalho na sexta-feira em São Paulo. Sim, estamos de mudança. Você já morou no meio do mato, entre árvores e cachoeiras, numa cidade no meio de um Vale fértil, cheio de contradições, e provavelmente vai conhecer a Selva de Pedra, temida e venerada por seus moradores.

Acordei cedo, conversei com um amigo, saí. Peguei minutos de metrô em silêncio. Um lugar que neva por dentro mais que faz frio por fora. Pessoas caminhando para o trabalho, amados ou odiados, o ganha pão que gira a grande roda da nossa sociedade. Horas de trabalho por retorno financeiro que nem sempre basta para garantir uma vida decente. Milhões de pessoas em movimento em plena inércia.

Algumas sorriam enquanto conversavam no celular, esboçando a felicidade de uma piada ou o amor. Algumas dormiam durante uma manhã de outono. Tantos outros apenas olhavam para frente, esperando.

Não consigo descrever como me comove pessoas que nunca conheci. Ali mora a possibilidade da esperança de alguém que um dia vai salvar uma vida sem querer, irá ter uma ideia revolucionária ou irá passar pelo mundo como nós, sem fazer nenhuma diferença aparente. Mas onde mora a diferença, Helena? Muda o mundo os grandes líderes ou a mãe que cria seus filhos com o esforço de dois trabalhos e o pessimismo de uma vida cheia de impostos? Muda o mundo quem faz e desfaz guerras ou a criança que ainda tem uma vida inteira pela vida?

E será que mudar o mundo não é um conceito megalomaníaco de uma geração que ainda acha que pode causar um impacto positivo? Aqueles que acham que possuem o direito de viver o sonho.

O taxista que me levou até o local perguntou da onde vinha, porque estava ali, estabelecemos um ritmo de conversa tranquilo e contei para ele tudo em dez minutos. No fim ele suspirou, desceu, abriu a porta do carro para mim e desejou boa sorte.

Boa sorte, Helena. Nós, os sonhadores, aqueles que andam para o mesmo caminho que todos, que trabalham para pagar as contas, que ainda acreditam que as pequenas mudanças diárias bastam para que possamos continuar evoluindo, costumamos ver asas nos braços do comum.

Você que desenha uvas no papel e chama o tigre de pelúcia de gatinho ainda vai conhecer a morte, a perda, o medo, o pavor de fracassar e recomeçar. Você, a Helena adulta, vai ler está carta daqui muitos anos e vai saber que um dia sua mãe viajou por minutos num mundo de desconhecidos e sonhou com caminhos mais ensolarados no subterrâneo humano.

Quando chegar a sua vez de caminhar por lugares desconhecidos e manter a esperança, entenda que os sonhadores são constantemente confundidos por tolos, jovens, inconsequentes, insanos, até mesmo esquerdistas, pessoas sem noção da realidade, mas sem um pouco de loucura todos nós estaríamos completamente perdidos. Sem imaginar dias melhores não há porque viver nos dias cinzentos. Sem ter a esperança que a pessoa sentada do seu lado irá salvar e não destruir uma vida, o que somos?

Se nos vendem uma ideia de uma vida melhor, compremos, criemos. Insista, Helena. Eu sei que é difícil, às vezes parece que não existe razão ou motivo, mas a poesia é viva, os sonhos podem sim virar realidade, as pessoas ainda conseguem encontrar a bondade no meio do caminho.

Converse com taxistas, peça grandes canecas de café com leite e pão de queijo, faça o que deve ser feito, planeje algo melhor. Crie possibilidades.

Resista.

Com amor,
Mamãe.

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