Carta escrita no dia 23 de setembro de 2014, com os olhos ardendo e sorriso no rosto.
Helena,
Geralmente nós sabemos quando algo se aproxima de seu fim. Toda despedida tem seu cheiro natural, seu caminho tortuoso que serpenteia para o desfiladeiro, piscando em letras garrafais que chegou o tempo de dizer adeus.
São fases da vida, pessoas, momentos, histórias. E costumamos ver isso de forma bem negativa, nos apegando a dor, a toda a tragédia que é deixar aquilo que já existe, está lá, fácil e simples, para entrar novamente num mundo desconhecido de descobertas de tudo – e de si mesmo. Acho que é um preço razóavel para o crescimento, mas também só digo isso depois de lamber as feridas e de deixar o tempo fazer seu milagre.
Já faz uma semana que você aprendeu a andar. Estava sentada brincando quando apenas olhou para frente, levantou e andou, como se um chamado tivesse te dado coragem para dar seu primeiro passo, aquele que irá te perseguir durante toda a vida. É algo tão natural andar. Uma hora você é um bebê e tem medo, num piscar você é um pequeno ser humano com pézinhos ligeiros descobrindo esse mundo doido.
Hoje sentei no segundo quarto [aquele que era para ser seu] e chorei até doer o rosto. Me deu uma angústia, algo que mistura adeus com olá, um desatino da alma como quando um violeiro perde sua corda durante uma bela canção. Fica aquele apelo por continuidade, mas nem sempre somos nós que decidimos os caminhos que se apresentam aos pés. Senti um cheiro de despedida no ar, o fim de algo que ainda não determinei o que é.
Essa sua mãe, Helena, é muito sentimental, eis a verdade. Se por alguns sou acusada de cínismo, mal sabem quanta lágrima contenho na carne do rosto para manter a face mais calma para o mundo. Mas tem dias que chove no paraíso e tem outros dias, mais raros ainda, que um bebê aprende a andar e a mãe boba tem que dar adeus a uma fase boa, de dependência pura e simples.
Hoje ouvi que estou em falta com você e isso me deu uma dor no peito… Como ser perfeita? Fico martelando isso de forma silenciosa e velada aqui dentro. Como? Talvez esteja na hora de aprender com meus 86cm de gente e dar passos para algo mais próximo de mim.
Senti a despedida, mas sei que vou ter uma mãozinha gorda para segurar e sabe, serei guiada por você, porque acredite, existe toda a sabedoria numa criança. Se você tomou coragem e andou, sem medo de cair de bunda no chão frio, certamente posso também andar, dando adeus para o que ficar.
Com amor,
Mamãe.
Li o texto e que coincidência… Hoje meu Arthur deu seus primeiros passos ao sair do banho, em pé, peladinho, do nada, ele apenas foi e eu fiquei ali, rindo e chorando ao mesmo tempo. Esperava tanto por esse momento, mas e agora, como vai ser? O tempo passa rápido demais, parece que foi ontem que ele estava vindo ao mundo, parece que foi ontem que ele aprendia a engatinhar, e hoje, já dá passinhos. Preciso começar a entender que meu bebê tá crescendo, e que com isso muita coisa vai mudar, muita coisa nova vai acontecer…