Onde mora o Lar

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Carta escrita no dia 31 de agosto de 2014, fora de casa, perto do lar.

Helena,

Conheço muito bem a rotina de arrumar as malas, empacotar lembranças, olhar paredes vazias e dar adeus a lugares. Talvez, devido a esta grande quantia de desespedidas, casas se tornaram apenas locais. Paredes que protegem do clima, recheada com utensílios que promovem os cuidados básicos.

Sempre ouvi falar em lar, seja doce ou não, só nunca compreendi porque era tão importante ter um. A boa verdade, é que sempre detestei minha casa, portanto, jamais me passou chamar de lar. Um local de retorno e pouso feliz, de acolhida e proteção, sendo que era lá que meus mais profundos medos sempre me esperaram.

Desde que você nasceu, já nos mudamos três vezes e te garanto que até você ler isso, teremos nos mudado mais que o dobro disso. Não consigo ter apego por casas, móveis, ruas e cidades. Com o tempo, esse repúdio se tornou hábito, até que o hábito se tornou conhecimento. Um dia vou morrer e tudo aquilo que me é querido será movido, vendido, dado, partido, rompido. Vão abrir meus armários, meus segredos e espalhar pelo mundo. Então porque o apego?

Minha maior herança está em você. Trouxe ao mundo outra pessoa, que terá outra história e viverá outra realidade, nada do que sou será lembrado para sempre e nem o que você é, mas sempre existirá um eco nosso nesse mundo, basta se ater aos itens eternos.

Prédios, casas, monumentos que são eternos por suas histórias, quando são marcantes o suficiente. A roupa que uso agora, o lugar que morarei amanhã, nada disso faz tanta diferença quando comparado aos sonhos que irei sonhar, as ações que vou promover e a história que vou deixar na lembrança de alguém.

Helena, acredito que lar é memória e quando atribuimos memória em execesso para coisas, aquilo perde o seu poder de eternizar. Apesar das Pirâmides do Egito estarem aí para provar a perecividade da engenharia humana, o que seriam elas sem seus Faraós? Foram eles bons ou ruins? Como você quer ser lembrada?

Estou sentada no sofá, com jeans e uma blusa marrom, digitando palavras, porque minha letra é ilegível. Uso cabelo curto e ostento terríveis olheiras. Você dorme agora, com seu pijama roxo xadrez, de lado, com a sola do pé meio preta de correr no chão descalsa e daqui cinco minutos estarei lá, com você, pensando nos seus sonhos e sonhando com o dia em que não vamos ser aquilo que possuímos.

Com amor,
Mamãe.

Um comentário sobre “Onde mora o Lar”

  1. Desapego, como é difícil deixar e seguir mesmo sabendo que o mais importante levamos com nós, não pode ser deixado. No máximo, imergi-lo em uma logoa escura do esquecimento que periga fazer flutuar a todo momento. Seu blog é meu lindo livro de domingo, com um capuccino, Artha Franlin e minha capacidade de sonhar!

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