
Carta escrita no dia 28 de maio e finalizada em 6 de junho de 2014.
Helena,
Quando tinha 13 para 14 anos de idade, meu irmão decidiu que seria fantástico criar uma rotina de visitas para o lar de idosos da cidade. Naquele período ele se encontrava bem humorado e engajado na igreja. Formou-se um grupo de jovens com câmeras em punhos, para documentar aquele feito que demonstrava o firme caráter de todos.
Não queria ir de jeito nenhum, porque naquela época pessoas idosas me assustavam, sempre achava que uma delas iria morrer na minha frente e eu nunca mais seria a mesma. Querida, sua mãe já foi uma idiota, acontece.
Depois de ser devidamente forçada a fazer parte do grupo feliz, me vi ali, naquele lugar frio e cinza, repleto de pessoas com um pé aqui e outro lá, sedentas por contar sua vida para ouvidos surdos a qualquer coisa que não fosse seu pequeno mundo. Porém, em algum momento entre preparar o pão com manteiga e conversar com as senhoras do tricô, comecei a amar aquele lugar.
Todos eram muito carentes, cada um com sua história de abandono, seja real ou sentida, ávidos por atenção, diálogo e sempre com boas histórias. Ali, naquele lugar tão repudiado, onde a sociedade despeja seus pilares, aprendi a amar, querida. Nada que colocaria em prática por longos anos de imaturidade completa, mas foi uma das coisas mais importantes da minha vida.
Não me lembro exatamente em qual fileira era, mas no terceiro quarto, morava um senhor. Ele tinha seus 70 e tantos anos, muito simpático, sempre usava calça social, camisa, cabelo bem aparado e arrumado, barba feita e um dente de ouro reluzente na boca. Um belo dia ele me puxou para dentro e começou a contar sua vida. Tinha vindo do nordeste muito novo “criança de colo ainda, só comia farinha com água e sal”, para morar em São Paulo. Lá conheceu Dona Laura, sua mulher por quase 60 ano e foi barbeador.
No fim da vida, um dos filhos veio morar em Pindamonhangaba e como ele estava sozinho por lá, colocou-o no lar de idosos da cidade. Mas o que incomodava não era o aparente descaso e abandono, mas sim a falta de sua mulher. E com poucas palavras ele explicou “Esses dias meu filho trouxe minha neta aqui. Estava com o namoradinho se agarrando para todo lado… fiquei olhando aquilo… na minha época era assim não, filha, a gente tinha respeito pelos mais velhos e por outras coisas. Ela escreve cartinha para ele dizendo que ama para sempre. Essa menina não sabe o que é para sempre. Fui casado durante quase 60 anos e nunca falei para sempre. Tive 9 filhos, todos criados e decentes na vida, sempre amei eles, mas nunca ensinei a achar que o mundo é para sempre. Minha Laura morreu e todo dia sinto falta dela, vou amar aquela véia para o resto da minha vida, mas nunca vou falar para sempre. A gente usa as palavras como se elas fossem para limpar a bunda”.
Sabe, Helena, realmente, usamos as palavras como se fosse para limpar a bunda. Falamos que vamos amar para sempre num restaurante, enquanto ganhamos um presente, nos dias bons, mas dificilmente temos essa perspectiva quando não existe dinheiro para presente, quando não há tempo para empreitadas românticas ou quando o dia não é um dos melhores. Para sempre é amar silenciosamente, mesmo quando você quer gritar.
Ensinam em filmes que o amor é terno, lindo, que você é nada sem sua cara metade. Colocam um “felizes para sempre” por lá e nos fazem acreditar que sentimentos são indestrutíveis. Queria realmente que você aprendesse algo com essa história, coisas que com 14 ou 20 anos, ainda não compreendia.
Talvez até exista algum para sempre, mas ele dificilmente é proferido por nós. Tenho certeza que aquele senhor, apesar de repudiar o termo, amou sua Laura e irá amar até que alguma poeira no universo encontre seu fim.
Helena, acredito que importante seja a trajetória, não seu fim. Talvez algo não dure para sempre, mas pode ser pleno enquanto existir. Palavras assim possuem o poder de colocar um tom amargurado em algo belo, porque esperar o “para sempre”, nos faz crer no “felizes” utópico. E afinal, quem é feliz sem sua dose de dores e lágrimas? Talvez o “sempre” seja para exemplificar o sentimento de jamais desistir de quem se ama, não importa o que.
Com amor,
Mamãe.
Lindo, como sempre! Deixou lágrimas nos olhos.