
Carta escrita no dia 12 de maio de 2014, mas concebida no dia 8 de maio, quando você completou 10 meses.
Helena,
Atualmente estou na fase dos “vinte e poucos anos”, números baixos invejados pelos “quarentosos”, aqueles que adoram proclamar: “Com sua idade fazia isso, vivi aquilo, ai se pudesse voltar no tempo…”. Parece que o mundo deseja permanecer nos vinte e poucos/trinta e tantos. É perigosa essa idade, na verdade, porque como todas as outras frases, existe uma constante que você certamente irá ouvir algum dia: “Você tem a vida toda pela frente… por que a pressa?”.
Não se apresse realmente. Cada idade, cada momento, cada experiência precisa de calma para total apreciação e absorção, mas, querida, não caia nos engodos de que você tem a vida toda pela frente e, assim, você pode passar horas, dias, meses e anos desperdiçando seu tempo com algo que você sabe que não leva a lugar algum.
Geralmente duvidamos dos nossos preciosos instintos, quase todos eles sabem as respostas para aquilo que procuramos ou devemos correr, só que continuamos em negação, surdos, seja por preguiça seja por comodidade. Olha, você estava no quente, aconchegante, fácil e macio lar chamado útero. Um belo dia você nasceu e foi jogada no frio, assustador, doloroso e implacável mundo que, assim como o tempo, não há escapatória. Ele passa tão rápido que um dia estamos chorando pelo seio de nossa mãe, no ano seguinte já nos lamentamos em alguma beira sobre o tempo que foi-se embora e a culpa é toda sua.
Mesmo sendo tão nova, já tenho minha cota de arrependimentos e do tempo que deixei passar. Todos nós temos, o problema é quando esse tempo é maior do aquilo que já nos resta. Por favor, não espere os vinte e poucos, trinta e tantos, quarenta e muitos ou oitenta e bolinhas para começar a fazer algo para si mesma. Minha mãe (sua avó) até hoje lamenta aquilo que nunca foi e fico imaginando a mulher feliz que ela seria se não tivesse investido toda uma vida a pessoas que seguiram em frente. Porque, afinal, pessoas seguem em frente, é assim que tem que ser.
Proust é meu escritor preferido, e ele escreveu um livro cheio do teor do passado que jamais volta, lembranças, caminhos e desilusões de um mundo que não é indulgente com aqueles que cegam a mente para a passagem do tempo. Ter a vida toda pela frente é perigoso, porque num momento você está nela, no outro ela está passando por você e não sabemos o que fazer com isso.
Com amor, Mamãe.
Você tocou num ponto importante. Eu vivi muito deixando o tempo passar… Entrei numa faculdade que não gostava com 16 anos e continuei por causa desse discurso do “tem muito tempo”… Hoje tenho 24 e ainda não comecei o que quero e meio que me frustro por ter deixado passar 8 anos e não ter mudado a situação…
A questão abordada é muito interessante pois tenho o exemplo vivo em minha família. Tenho 23 anos e estou a ponto de me formar, formação a qual adoro porém hoje tenho plena certeza de que esse era o sonho da minha irmã, não o meu. No final desse ano termino a tal graduação e em fim vou correr atrás do meu sonho.
Minha irmã é uma pessoa fantástica, porém acho que se as escolhas feitas por ela no passado tivessem sido diferentes, hoje sua vida seria melhor (ou posso estar enganado). Com seus quase 40 anos e com 3 filhos (18, 16 e 7 anos) descobriu que vive um casamento infeliz (seu segundo casamento) concluiu os estudos “nas coxas” e não buscou sua independência. Hoje ela sente como se a vida tivesse passado e ela tivesse ficado para trás com a responsabilidade de 3 filhos (um deles bipolar e diabético) e uma mãe com esquizofrenia.
Somos 3 irmãos no total, nosso apoio e união é inquestionável. Sempre a tive como uma mãe (quando a nossa nos faltou, no meu caso com 2 anos de idade) e sempre estive ao seu lado para o que der e vier.
Hoje, com a melhora súbita de situação financeira devido a uma herança do nosso avô para a mamãe (que é curatelada por ela) encontrou a chance de se libertar de um casamento infeliz, da dependência financeira do nosso pai (que é um cara magnífico) e de buscar seu sonho (uma formação acadêmica).
A represaria foi grande por conta dos familiares quando ela simplesmente resolveu viver a vida, porém a mudança (ainda em processo) está acontecendo aos poucos. Hoje a vejo mas feliz, porém ela ainda lamenta pois deixou que o tempo passasse e que o comodismo a engolisse, pois a vida não espera por ninguém.