
A primeira parte desta carta foi escrita em 25 de dezembro de 2013, algumas pequenas modificações foram feitas em 26 de abril de 2014, sua edição e término foi no dia 6 de maio de 2014.
Helena,
Quando você nasceu, ganhou uma linda medalha do Anjo da Guarda. Não sou religiosa, já fui durante um pequeno período da minha vida, mas devo confessar que minha fé diminuiu à medida que os anos chegaram. Novos artigos contestando a existência divina, o conhecimento controverso que algumas religiões pregam e a falta de interesse em crer em algo contribuiu para que isso acontecesse. Porém, eu amei aquela medalha, acreditei do fundo do meu coração que ela seria um acréscimo em sua proteção e, além dela, você tem a imagem de um anjo na porta do quarto.
Tenho religião? Não. Acredito em Deus? Não acredito que Deus seja um cara barbudo, loiro, de olhos claros, que mora no céu e manda os ímpios para o inferno, nem que seu filho Jesus é tão germânico quanto Ele. Cada religião prega sua versão de Deus, tenha Jesus na história ou não, e todas que vi até hoje não batem com o que acredito. Acho que existe uma simetria, uma compreensão e uma magnitude fantástica em tudo que somos, tudo que nos cerca, tudo que existe. Há possibilidades infinitas de ser melhor, de fazer melhor. O amor, a esperança, a alegria, a compaixão, o céu, as árvores, a luz do Sol batendo no rosto no fim da tarde, o sorriso de um bebê, existe algo de único nisso e lá deve residir o que chamam de Deus.
É complicado acreditar em algo hoje em dia, discutir isso entre as pessoas é quase como assinar o atestado de ignorância, porque é tão óbvio que não existe nada que Deus é quase Papai Noel – você será informada na infância que Papai Noel existe sim, porque a inocência é algo único e deve ser preservado.
Uma vez discuti com uma amiga que nós, humanos, necessitados de nomes e explicações, colocamos a culpa no que há de ruim nos seres humanos e no Diabo, e aquilo que fazemos de bom em Deus, como uma necessidade de justificar os atos. Seria triste demais viver uma vida sabendo que não existe nada depois dela, que passar uma existência corretamente não resulta num lugar banhado a ouro ou com muitas virgens à disposição, e para aqueles que cometem crimes terríveis, o mármore do inferno não lateja em espera. O motivo de existir e justificar talvez tenha sido o que criou a religião, talvez a sede de poder, dinheiro, controle, tenha dado o sabor apimentado que vemos hoje em dia. Cada religião matou sua cota de inocentes por motivos absurdos, todas pregam seus preconceitos ou desvios porque religião é composta por nós e nós, bem… Não somos um exemplo de perfeição.
Mas existe uma parcela que realmente acredita em coisas boas, que tentam fazer algo significativo, sonham em alcançar uma vida plena. Isso é cultural. Cada país, cidade, dialeto e criação têm suas crenças; talvez seja necessário uma boa dose de reflexão e compreensão, mas estuprar, matar, violentar, reprimir, sufocar, impor e maltratar é horrível, não importa qual Deus mande ou qual Lei exija.
O que quero dizer com isso? Um dia vão te falar que amar determinada pessoa é errado, que vai contra a vontade de Deus e que pessoas do mesmo sexo não podem ser uma família. Vão te dizer que você vai para o inferno se fizer isso ou acreditar naquilo, vão julgar seus amigos, vão te julgar. Vão impor e sufocar. Nem sempre será culpa da religião, mas algumas fazem isso, acreditam que é certo, porque pessoas acreditam nisso. No final, a religião é mais o reflexo de uma sociedade, não de algo divino ou superior.
Não importa qual seja sua religião ou das pessoas que te cercam, querida, eu realmente quero te deixar escrito nesta carta que tudo é uma escolha. Você pode acreditar em Deus ou não, no céu, no inferno e em todos os preceitos que desconheço, mas respeite as pessoas. Respeite as escolhas, as culturas, o mundo que evolui constantemente.
Você, Helena, tem um anjo na porta do quarto, uma medalha perto do berço, porque eu acredito em coisas boas e que colocamos nomes e explicações para isso, mas você pode acreditar no que quiser. Um dia você pode me pedir para retirá-lo, farei o que achar melhor.
Tenho crenças, mas qualquer vestígio de opressão que more nelas eu retiro, corto com uma faca e jogo num lixo. Pego a “parte boa”, aquilo que me ajuda a ser uma pessoa melhor, que me fornece força e consolo - porque ser racional é incrível, mas para as minhas experiências pessoais, não basta – tento ter fé, mas você terá outra vida, irá acreditar no que funcionar para você.
É um detalhe a religião, o nome do seu deus, a origem, o fim – o que realmente importa e sempre irá importar é o quão bem isso te faz, o quanto de conforto está levando para o mundo. Se isso não te machuca, não limite. No final, só queremos nomes e explicações para continuar amando, sorrindo, esperando, acreditando, criando pequenos bebês com a esperança de um mundo melhor.
Com amor,
Mamãe.