Carta escrita no dia 1° de Maio de 2014, mas usando partes de um texto de 23 se setembro de 2011, quando ainda não sabia que seria mãe.
Helena,
Existe um mito chinês que diz que os Deuses ligam uma linha vermelha a cada pessoa que nasce, a mesma é ligada em todas as pessoas que de alguma forma iremos esbarrar ao longo da vida, a linha pode esticar, se embaralhar, mas jamais irá se romper. Segundo o mito nós estamos destinados desde nosso primeiro momento a encontrar quem encontramos, não importa a circunstância ou importância.
Apesar de realmente acreditar que este mito é lindo, toda a teoria de destino não me seduz, tudo que retire meu poder de escolha é brevemente descartado, mas não sei se você irá optar por este caminho. O ponto que quero ressaltar é que independente de como chegamos as pessoas ou situações, uma linha vermelha, internet, acidente de carro, esbarrão na rua, apresentação de amigos, o que nos deixamos para elas é uma responsabilidade única, é uma escolha.
Posso te contar as pessoas que fazem parte de minha vida agora, amigos, parentes, conhecidos, mas não vou conseguir lembrar ou citar todos que já esbarrei de alguma forma, que toquei, que machuquei, fiz sorrir ou tive algum significado, o legado dessa lembrança é minha responsabilidade. Nesses poucos anos de vida que consegui percorrer, algo que aprendi com ajuda de conselhos e vivência é que termos que nos isentem do poder que temos de marcar a história, nem que seja da forma mais simples, são desculpas para uma liberdade ilusória.
Somos aquilo que queremos ser e deixamos aquilo que queremos deixar. O perigo de cultivar a raiva é que ela volta, não no sentido vingativo da palavra, mas a ação que fez o sentimento surgir possui um motivo, esse motivo não morre com a raiva de alguém, ele continua e quando fazemos algo a alguém, somos protagonistas, o dano é gerado para ambos.
Querida, lamentei atitudes que me fizeram colher a raiva, ódio, desconfiança de pessoas que não eram importantes, mas que se tornaram importantes quando foram alvo dos meus danos. O que nos conecta as pessoas é uma linha que não se parte, mas no seu percurso carrega fatos eternos.
Vivemos uma média de 80 anos com sorte, um tempo ridiculamente curto quando comparado aos bilhões de anos do nosso Universo, a única forma de perpetuar de alguma forma nossa insignificante existência é deixando em cada ponto que tocamos algo que possamos nos orgulhar. A consciência disso é importante.
Hoje percebi que me arrependo de tantas coisas, tantos danos, mas outras me causaram felicidades imensas, a maior delas foi poder tocar as pessoas de forma benéfica, de poder me conectar com elas e fazer alguma diferença.
As vezes quase posso ver uma pequena linha vermelha saindo de suas mãozinhas, se conectando em mim e fico imensamente feliz em perceber que você irá passar por milhões, mas fui a primeira e sempre estarei aqui quando você precisar voltar ao ponto de partida.
Com amor,
Mamãe.
Te conheci ao ler o texto: Helena vc pode ser um menino se quiser. Esse é o segundo e, posso lhe garantir: senti sua presença em minha “linha vermelha”… E hoje conversei muito com minha filha, discutindo o texto anterior e foi maravilhoso!!! Boa noite…
Olá, boa noite!
Eu tenho apenas 20 anos e tive que aprender a amadurecer rápido também. Não tenho filhos, ainda, quem sabe daqui alguns anos… Sou filha de pais jovens, minha mãe ficou gravida aos 15, sou sua primogênita. Sou filha de pais de família tradicionalista, conservadora e religiosa; meus pais cresceram e se conheceram na Igreja e assim como os pais deles ensinaram, eles buscam fazer do mesmo jeito ou melhor em relação a mim e minhas irmãs. Cresci na igreja, mas sempre tive comigo um desejo conhecer outras verdades, não só a imposta por nossa cultura ou credo, de pertencer a vários lugares, não só neste… viajar, conhecer e viver o amor, seja qualquer forma que ele se apresente a mim. Quero viver como uma antropóloga, uma etnógrafa… quero conhecer outros costumes, tradições, sociedades, pessoas, quero participar do meio deles, quero acima de tudo quebrar qualquer formar de pré-conceitos existentes em mim, estereótipos impostos e ensinados pela nossa sociedade.
Sei que não é fácil ir “contra a maré”… mas é importante, não só para crescermos, mas para criarmos opiniões próprias, sermos capazes de tomar decisões e escolhas sozinhos.
Estou amando cada carta que você está escrevendo para sua filha, a maneira como você e marido estão criando-a é incrível, lindo e muito respeitoso.
Sou arqueóloga, e uma vez durante uma viajem de campo, pensei em comprar um pequeno baú que pudesse carrega-ló em todas as viagens que tivesse que fazer em minha vida. Nesse baú aguardaria lembranças, historias, objetos, alguns cheiros, coisas, “pessoas”… tudo o que me fizesse lembrar cada passo, cada decisão que tomei em minha vida. E nesse pequeno baú/retalhos da vida, de uma historia, uma jornada, passaria para minha filha(o), para que assim soubesse da existência das belezas que estão “escondidas” no mundo, dos sagrados, do amor que pude encontrar em cada olhar, em cada esquina, rua, cidade, estado, país, tribo… em cada ajuda de um estranho, em um sorriso ou num bom dia / boa tarde / boa noite… nos pequenos detalhes do dia-a-dia e que ficam aguardados para o resto da vida. Tudo isso, eu passaria para ela(e) no intuito de que pudessem escolher o que quisessem ser, como queria viver, como amariam e respeitariam o próximo… E para aprenderem a ter sua própria voz!
Adorei essa iniciativa sua, achei admirável e super respeitador com a vida e a liberdade de ensinar a essa linda criança o significado da própria voz, das próprias escolhas!!!
Parabéns para vocês, e que sejam muito felizes. ^_^